segunda-feira, 23 de janeiro de 2012

I'm not there_Enric Miralles

Universidade de Vigo_Aulario



“All I can do is be me. Whoever that is.”

Bob Dylan

Enric Miralles, falecido a 3 de Julho do ano 2000, com apenas 45 anos (22 anos de trabalho desde 1978, ano em que finaliza o curso pela Escola Técnica Superior de Arquitectura de Barcelona), deixou-nos uma extensa obra arquitectónica. Produziu muito acima da média, tornando-se num dos Arquitectos Espanhóis mais influente das últimas décadas.

A sua obra deve ser lida como um continuo inacabado, em que cada projecto nasce da experiência dos projectos passados. A sua personalidade arquitectónica é suficientemente intensa que nos dissuade a defini-la segundo conceitos existentes a priori. Ainda assim, da sua obra exaltam ideias, pensamentos, ensinamentos, um carácter arquitectónico único e peculiar, ao qual podemos e devemos recorrer para apreender as lições mais essenciais da Arquitectura e do Arquitecto.

Assim, visitar o Aulario da Universidade de Vigo transforma-se num encontro metafísico com o Arquitecto e os seus pensamentos, transmitidos através da sua obra.

Iniciada em 1999, a sua construção termina três anos após a sua morte, em 2003. Este dado torna o projecto especial no contexto da obra de Enric Miralles, ao lado do Mercado de Santa Caterina e do Parlamento de Edimburgo, que esperavam a sua construção aquando da morte do seu autor. Assim sendo, podemos dizer que este projecto carece daqueles detalhes tantas vezes acrescentados com o decorrer da construção e que de alguma forma simbolizam um certo amadurecimento do mesmo.

No entanto, conseguimos extrair desta obra as inquietações que o movem enquanto Arquitecto, e compreender em três dimensões principais os processos que permitem a Enric Miralles projectar desta forma, com uma linguagem expressiva única, e um sentido funcional apurado, aspectos que o tornaram um dos Arquitectos Espanhóis mais requisitados e influentes das últimas décadas.

I

Prestar

Serviços

A primeira dimensão de qualquer Arquitecto é, sem dúvida, a prestação de serviços. O Arquitecto é, em primeiro lugar, um prestador de serviços. O projecto não existe a priori, existe sim uma encomenda, com condicionantes específicas que são as premissas às quais o Arquitecto tem de responder. Aqui começa o seu papel social, o seu dever.

No Aulario, a encomenda incluía, para além dos auditórios de aulas, um novo acesso, estacionamentos, extensões para cada faculdade e serviços integrados de reflorestação.


Neste primeiro momento, percebemos que a resposta será sempre no sentido de cumprir a encomenda. Ainda que exista espaço para alterações ou acrescentos sugeridos pelo Arquitecto, compreendemos muito rapidamente que existe uma preocupação em oferecer o que lhe foi pedido.

Um anel viário que define o novo acesso, os estacionamentos associados a este anel e o seu prolongamento para as diversas faculdades, a plantação de arvores na zona desportiva para reflorestar o território, os auditórios e o seu corredor de acesso que é, também ele, um prolongamento para as faculdades envolventes, e por fim (a rematar a linha dos auditórios) os campos de squash e a piscina.

II

Desenhar

Intenções

“[…] No dibujas edificios, dibujas intenciones, intuiciones y alguma vez ideas, que van dando forma a los proyectos. Dibujar no es solo dibujar, es cortar, buscar, pegar, mezclar, amontonar, gritar, mirar… Así, la ilusión de empezar un proyecto renace cada vez. Nunca aprendes nada.”

Joan Callis_Pía Worthan

A segunda dimensão do Arquitecto é a das intenções e das ideias. Enric Miralles ensinava aos seus alunos que o Arquitecto não desenha edifícios mas sim intenções, intuições e algumas vezes ideias, e são estas que vão dando forma ao projecto.


O projecto apresenta duas intenções principais. Em primeiro lugar, pretende destacar as características naturais do lugar. Em segundo, reforçar a natureza comunitária da vida universitária.

A primeira intenção leva Enric Miralles a respeitar a topografia, a relacionar-se com a paisagem através das excelentes vistas sobre as colinas, a criar espaços através dos quais podemos transformar o nosso olhar sobre a paisagem, o silêncio, os pequenos vales do interior, as pessoas devem ser capazes de fazer uso destas características do lugar.

A segunda intenção prende-se aos usuários e à natureza comunitária dos mesmos. Assim, o edifício transforma-se numa linha que serpenteia por entre os edifícios pré-existentes, adaptando-se à topografia ondulante, e criando desta forma espaço público de uso variado. Três praças (a da reitoria, a zona comercial, e a de acessos aos serviços) permitem conectar a nova zona de entrada com a nova residência de estudantes. Assim, redefine-se um novo espaço público que permite a necessária concentração de actividades e promove a intensa vida comunitária e de intercâmbio.

III

Compreender

Pensamentos

“[…] y Enric nos aclaró: “Los arquitectos aprendemos la historia dibujando, calcando com un papel vegetal todas las plantas y todas las fotos de los libros. Es así como se aprende de verdad la historia…” Esa fue outra lección de Enric.”

Manuel Bailo_Rosa Rull

A terceira e última dimensão é a do conhecimento. A cultura arquitectónica, construtiva, o Arquitecto enquanto conhecedor, interessado e curioso, as referências, o entendimento das mesmas e o seu uso inteligente e oportuno. A importância da história da Arquitectura, e das diversas áreas disciplinar que cada projecto implica. O conhecimento do que foi feito e do que se faz.


É claro na obra do Arquitecto Enric Miralles, a presença de referências como Le Corbusier, Alvar Aalto, Louis Kahn, influências do Construtivismo Russo, entre muitas outras, e não se trata apenas de estudar e entender as obras mas também o pensamento arquitectónico de cada uma destas referências.

É seguro afirmar que se trata de uma pessoa com um conhecimento profundo das técnicas de construção, dos materiais e das ferramentas de projecto.

Percorrendo o Aulario da Universidade de Vigo, entendemos muito facilmente que o Arquitecto que o projectou tinha um conhecimento arquitectónico e construtivo imenso, o que lhe permite a adopção e o manuseio de um sem número de materiais, técnicas construtivas e espaciais. O domínio do desenho enquanto ferramenta de projecto revela-se na atenção que reserva para o detalhe construtivo, o “pormenor” que na obra de Miralles nos invade constantemente ganhando uma importância tal que muitas vezes nos distrai daquilo que são as intensões.

a.

Reinventar

Arquitectura

“Sembrar es una cosa complicada. Quien sabe hacerlo es consciente de que uno nunca puede adivinar si recogerá o no. Y tiene que hacerlo conociendo esa incertidumbre. Y assumiéndola. Yo siempre le decía a Enric que lo mejor que tenía es que era un inventor. Él inventaba para los demás. Tenía una genialidad que resultaba comprensible por eso la gente podia hacer suyas esas soluciones.”

Benedetta Tagliabue

É ainda importante, e talvez o aspecto mais importante para compreender a obra de Enric Miralles, salvaguardar uma ultima característica, mais do domínio pessoal e não tanto da dimensão profissional do Arquitecto. Enric Miralles era um Inventor.

É aqui que reside a sua linguagem e expressividade tão singular. Uma pessoa que usava o seu conhecimento para Reinventar Arquitectura a cada novo projecto que realizava. Uma personalidade arquitectónica tão intensa que não nos permite catalogá-la ou defini-la a priori. Um Arquitecto onde conhecimento e criatividade se aliam criando uma força expressiva envolvente, fruto de uma imaginação capaz de se concretizar no mundo real. Apesar de se tratar de um Arquitecto contemporâneo, a sua linguagem isola-se no tempo e transcende as fronteiras temporais.


O Arquitecto é, em primeiro lugar, um prestador de serviços, e, só em alguns casos esses serviços ascendem ao estatuto de Obra de Arte.



Bibliografia

Consultada

Revista “El Croquis”, N. 144, Enric Miralles Benedetta Tagliabue After-life in progress, 2009, Espanha

Revista “El Croquis, N. 100 101, Enric Miralles Benedetta Tagliabue 1996-2000, 2000, Espanha

MASSAD, Fredy; GUERRERO, Alicia; Enric Miralles: Archittetura del Sentimento; editorial Testo & Immagine

Sites

Consultados

www.mirallestagliabue.com

www.mmbb.com.br

es.wikiarquitectura.com/índex.php/Aulario_Universidad_de_Vigo

Desenhos do projecto retirados de:

Revista “El Croquis”, N. 144, Enric Miralles Benedetta Tagliabue After-life in progress, 2009, Espanha

Revista “El Croquis, N. 100 101, Enric Miralles Benedetta Tagliabue 1996-2000, 2000, Espanha



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