sábado, 21 de janeiro de 2012

Arquitectura como obra literária



Centro de Estudos Camilianos


Esta obra arquitectónica poderia ser transferida para uma obra literária, uma vez que tem todos os componentes de uma novela camiliana.
O Centro de Estudos Camilianos encontra-se no seguimento da obra do arquitecto Álvaro Siza Vieira, mas contém um léxico específico que lhe permite integrar-se completamente na paisagem difusa de S. Miguel de Ceide.



A caminhada desde o portão de entrada através das ramadas, até ao pátio que dá acesso ao átrio, funciona como uma introdução. Uma vez que que temos um vislumbre de várias partes do edifício, mas nunca da sua totalidade, fazendo com que este se dissolva na paisagem. Esta relação simbiótica entre a paisagem dispersa e o edifício fragmentado é uma das relações de amor típicas de uma novela. Mas existe também uma relação antagónica, entre o centro de estudos e casa do Camilo, já que esta gerou a segunda e não existe nenhuma relação entre os dois edifícios, arriscando-me a dizer que o centro de estudos ignora a presença da casa, funcionando como um edifício autónomo.
Neste edifício o fio condutor da história é o átrio que une todos os componentes da obra, e dirige o visitante por todo o edifício como um escritor pela sua história. Esta espinha dorsal apresenta-nos o enredo da obra, no qual os personagens, os visitantes, são guiados pela narrativa espacial.
Cada espaço do programa tem a sua própria personalidade desde a sala de exposições, que com o seu grande pé-direito e chão de madeira é uma espaço amplo e acolhedor; à biblioteca que pela redundância do seu desenho se torna num espaço enfadonho; ao bar que funciona com um remate muito interessante ao átrio sem parecer desconectado com o mesmo e à biblioteca que funciona de uma forma clássica mas que devido à sua luminosidade incentiva a leitura e reflexão. Todas estas diferentes personalidades contrastam, como numa boa história, para manter a atenção do visitante, mas mantendo sempre uma coerência espacial, própria da obra do arquitecto.
Nesta deambulação por este este espaço longilíneo de carácter obscurecido que estrutura a obra é nos oferecido o equivalente arquitectónico das descrições perfeitas da paisagem sobre a qual Camilo Castelo Branco escreve, as aberturas, que nos permitem ir construindo uma imagem da paisagem à medida que percorremos o edifício.
Os espaços exteriores embora bem desenhados não são convidativos, dado que uma vez no interior, este convida-nos à introspecção e ao enclausuramento, mas uma vez no exterior, o granito em que ele é pavimentado faz com que ele se mescle perfeitamente com os alçados em alvenaria da paisagem adjacente. Um dos espaços mais especiais é o palco exterior que proporciona representações das obras camilianas às personagens desta obra. Também o pátio enterrado que dá acesso aos camarins, me invoca os tanque de água espalhados por todo aquele território, em que todas as crianças se banham no verão. Neste caso nos podemos banhar de serenidade, criando assim o espaço ideal para a leitura das obras camilianas, em que acima do limite do pátio ainda se vislumbra a paisagem minhota.
Esta crítica é intitulada Arquitectura como obra literária porque se é verdade que toda a novela contém a história, os personagens e o espaço. Também é verdade que esta obra arquitectónica contém a história, a narrativa espacial da obra, os personagens que são os visitantes e o espaço que é o Centro de Estudos Camilianos em S. Miguel de Ceide.

João Bermudes


Nenhum comentário:

Postar um comentário

Observação: somente um membro deste blog pode postar um comentário.